13.4.11

Vida em uma Lauda - O vinho

Encontraram-se casualmente em um bar, mas o destino tratou de apresentá-los em outra ocasião. Ambos resignados com a vida e fragilizados emocionalmente, cúmplices de amores falidos: ele vulnerável acorrentado em um amor dissolvido, ela desiludida, com a chave e o cadeado em mãos, presa a um amor desacreditado. Ambos “adulteceram” precocemente: tiveram a adolescência usurpada por responsabilidades. Cada um em sua bolha de sabão, imaculadamente, inabalável. Ledo engano. Ventos mudam a direção, bolhas rompem-se. Fora delas, ou se abandona o estado de latência ou se reinicia o ciclo vegetativo de viver. A frente de tudo isso, a decisão de cada um...como provar ou não aquele vinho.

A madrugada engolia a noite e já respirava o ar do amanhecer refrescando o sofrimento que se derramava sobre a mesa, como o suor escorrido das taças com vinho tinto abandonadas pelo calor da conversa que se desenrolava ali. Nos olhos dele angústia, nos dela, acalento. A conversa prosseguiu em caminho de formigas, um monólogo extenso até se perderam em olhares. O silêncio descarrilhou as formigas. O tempo parou. A vida parou. A respiração falhou. Só o pulsar do coração a trouxe de volta. Ela desviou o olhar, era possível ver a lua de sua taça. Imaginou se São Jorge a estivesse vendo... quem sabe a levaria dali antes que se apaixonasse novamente? São Jorge contra o amor, ou a ilusão, só queria ser protegida contra sofrimentos. Já nem sabia o que representava o amor. Levantou a taça, sentiu o leve aroma das uvas... pobres e deliciosas uvas, colhidas, amassadas, fermentadas e servidas em vinho. Pensou ser assim o viver, aprendemos com a vida depois que nos permitimos processar, mas diferentemente do vinho, não somos melhores à medida que envelhecemos, o amadurecimento é compreender que se deve colher o que a vida tem para nos oferecer e apreciar as parreiras, as uvas e o vinho. Pela primeira vez, sentia que abrira o cadeado de sua própria prisão.

O silêncio se estendera inquieto. Ele dobrava e redobrava a ponta do guardanapo abaixo da taça, totalmente encharcado, poderiam ser suas lágrimas, imaginou. Por que o amor acabara? Por quê? Examinou o resto do vinho que se refugiava no fundo da taça, era como os relacionamentos, não se evaporam totalmente, sempre ficava algo... Tudo lhe parecia mais lúcido:O fim é também recomeço, pensou levantando a taça ainda vazia. Pegou a garrafa naufragada no balde de gelo. Observou-a com delicadeza... perdeu-se no rubi de sua cor... que uva seria aquela? O sabor, o aroma, agora tudo lhe seduzia. Serviram-se de mais vinho.  

As taças beijaram-se ao amanhecer.

Alice Nascimento

Foto: Alice - Esmalte e vinho tintos

7 comentários:

  1. Assim que o livor for publicado quero comprar um exemplar e autografado viu?!?

    Bora então aprender a animar uai..
    bjs

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  2. imaginei isso animado ao estilo Coisa de Pele...

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  3. Não tenho o dom de desenhar Cacim...só escrevo, e vc anima, só se for..rsrs

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  4. Ahhh Lika como não ficar emocionada diante das suas palavras!!!
    É como te disse em outro comentário... Eu consigo enxergar-me em suas palavras. Sinto como se as histórias trouxessem muito de mim!

    Acredito que o passar do tempo nos faz perceber melhor as coisas e as sutilizas e delicadezas da vida nos ensinando a ver com mais amor!

    Acho que a ideia do Cacinho merece ser pensada... Ficaria linda a história em uma animação!

    Beijos... e mais beijos

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  5. Eita...fica por conta dele a ideia para um próximo festival, o roteiro ele já tem!!!rsrs

    Tati, e vamos vivendo...

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  6. Oi Lika...eita...uma prceria dessas tem que dar samba, melhor dizendo, tem que dar animação...rs
    Coisa de Pele ficou muito legal...atenta o mano aí pra fazer...rs
    O livro já uma coisa concreta? Se não for ele tá repleto de razão...voce esta numa fase prá lá de boa na escrita, já passou da hora de pensar em ter um livro publicado
    Sabe que quando leio as postagens nos blogs sempre penso nisso...é tanta gente boa escrevendo
    Aproveite a fase amiga...e vai fundo...
    Um abraço na alma
    Beijo

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  7. Oh Élcio, obrigada, quem sabe um dia...quem sabe...rs...ainda estou engatinhando algumas escritas...rs

    Mas obrigada pelas palavras!

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