15.4.11

Vida em uma Lauda – O perfume

Olhou para trás e lá estavam eles...os dias. Vividos, esquecidos, lamentados, felizes ou não, mas existiram. A sua frente, outros tantos a serem colhidos, como as acerolas prontas para virarem suco... Não lembrava se existia doce de acerola, pareceria que só havia um fim para essa fruta. Ao seu lado, ela, tão próxima que era possível sentir seu pescoço e sugar-lhe o cheiro. Que perfume seria aquele? Uma essência desconhecida, quem sabe flor de maracujá, ou laranjeira? Não, ela não se deixaria descobrir assim tão fácil. Havia um mistério no ar, era possível sentir.

Acerolas...voltou a pensar enquanto seus sentidos buscavam aquela essência...acerolas...fáceis de brotar, fáceis de colher, sempre ao alcance das mãos, assim era seu cotidiano, tudo tão preciso, inócuo, e de repente...ela ao seu lado com um aroma indecifrável.

Já a conhecia há algum tempo, mas agora se sentia estranho, algo acontecera e ainda não entendia...seus sentidos estavam em pane, que perfume seria aquele? Olhava para o quintal e não conseguia imaginar de que fruta, folha ou erva saíra àquela essência que lhe perturbara.  Laranjeira? O cítrico do limão? Quem sabe lavanda, ou cidreira? Não, não era nenhum desses, ainda mais a cidreira, não se sentia calmo com aquele aroma intrigante. Caminhou até o pé de maracujá e colheu uma flor, aproximou-a deixando tocar suavemente os lábios...poderia ser a pele dela, a boca e reconduziu o pensamento....que cheiro era aquele? Já havia lido algo...as fragrâncias misturam-se a pele e adquirem novos aromas, que são próprios de cada pessoa...sim, lera isso em algum lugar, e qual seria seu cheiro sem o perfume? Preocupou-se... Não achou correto o pensamento, seria como pedir que se despisse, ou lhe tirasse as roupas a força. Fechou os olhos, encostou-se no tronco de uma mangueira. Passou o braço por detrás da árvore fazendo-a de travesseiro. Poderia sonhar...

Por alguns instantes, embalou-se com o vento que lhe trazia diferentes cheiros. Chegara a vê-la caminhando em sua direção com seu vestido que misturava o lilás ao branco, como a orquídea que encontrara uma vez no troco de uma árvore, não sabia se orquídea tinha algum aroma, era difícil alcança-lá, parecia ser intocável, mas o vestido... o vestido a fazia flutuar no ar... e mansamente repousar em seus braços como uma pena que se solta de uma ave e cai despretensiosamente sobre o chão. Era possível tocá-la, acariciar seu rosto, sentir seus lábios, o ombro, a nuca... afundar-se no olor de sua pele. Inquietou-se, com o calor do beijo. Sentia-se completamente seduzido pelo cheiro dela...

Há quanto tempo sentira aquele perfume, dia após dia, e nunca havia ousado invadí-lo? Descobrira que os dias guardam essências que exalam mistérios e encantamentos, decifrá-las não seria uma atitude insana, estava vivo, e mais que isso, era um homem livre, pensou. Não, não poderia continuar a colher acerolas e abandonar as orquídeas deixando os dias passarem desapercebidos da vida. Podia mais, queria mais!

Abriu os olhos. Voltou a sentir o perfume...

Alice Nascimento

Foto: Orquídea de Alice

5 comentários:

  1. Maravilha,,
    eu viajo em seus contos,
    dá pra visualizar,
    muito bom memso,
    que dia vai escrever um roteiro?
    heheheheehe

    bjs

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  2. Rum, não me dá corda que eu acredito...rsrsrs...

    Cacinho, acabei de rever o João das Alfaces, mas não me recordo do Coisa de Pele, vou até procurar...

    Grande abraço e obrigada pelo incentivo, quem sabe, quem sabe...um dia?! rs

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  3. Parabéns pelo texto e a foto ficaria mais bonita com cajus...

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  4. Agradavel, o seu blogue
    Parabens.
    Sigamos juntos por eles.
    Um abraço

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  5. Fred, quem sabe venham nascer cajús por aqui? Gosto muito dessa fruta!

    José Maria, seja bem vindo,
    sim, sigamos todos, obrigada pelas palavras!

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