26.7.11

Vida em uma lauda – Despedida


Reteu a mão no ar. Apertou os olhos e segurou a respiração. A mão retornara ao volante do carro. Não era pra chorar, assim sua mãe havia lhe ensinado quando criança: Homem não chora, e a avó docemente completava, e não faz mulher chorar. Entre esses ensinamentos o coração se desfaceleva entre muitas mulheres. Era mais fácil assim: todas sabendo de todas e o deixando livre, não haveria sofrimento, pensou. Até aquela noite.

A tarde afugentou-se na escuridão que rapidamente açoitou o sol. Envergonhada, nem a lua apareceu. Tinha tudo planejado. Fazia semanas que arquitetava um plano perfeito para dissuadi-la. Fazer com que ela desistisse dele era a forma letal de findar a paixão que aprisionava seus pensamentos nela. Era mais fácil pensar nas outras, mais frágeis, vulneráveis, vazias, mas não ela, ela não. Ela o dilacerava com suas verdades sinceras.

A conhecera sob o manto da lua, na nuca uma constelação... fazia questão de relembrar o dia e a hora exata... mas agora tudo era indiferente, como o olhar dela. Embora pressentisse o que ele desejava, silenciou. Não antecipou nenhuma palavra. Há de ter aprendido a ter coragem. Homem não enfrenta, foge. Ouvia sempre que mulher é carente demais, que se deixa apaixonar fácil, seria isso verdade? Ou seria o fato de querer viver de formas distintas diferentes amores, mostrando-se doce, afável, compreensiva... e sorvendo a fragilidade masculina incrustada em uma educação machista? Ah sim... a mulher é frágil e cheia de pudores, o homem covarde e amante.

O silêncio invadiu o ambiente, e enquanto ele tentava segurar algumas lágrimas, o sorriso dela brotava acalentando aquele sofrimento. Aprendera com a vida que os homens se personificam no que a carência feminina deseja. Ou seria o contrário? Agora era indiferente. A vida faz questão de colocar conflitos para que sejam vivenciados, combatidos, porque não há de alcançar objetivos se não se aprende a caminhar. O que importa é percorrer os caminhos e aprender com eles. E foi assim que tudo terminou, no caminho.

Parou o carro em um acostamento qualquer. Retirou seu cinto de segurança.Voltou-se a ela. Buscou suas mãos, fechou-as em copas de rosas como se formasse um buquê, e sentindo seu cheiro de perto, as beijou longamente. Tu és muito especial, disse ele, e continuou, mas não quero que sofras. Ela o olhou docemente e sorriu, chegou a achar engraçado como os homens transferem suas fragilidades às mulheres. Ele não havia entendido o motivo do sorriso diante de seu sofrimento. Ela levantou a vista, e o olhou mais uma vez. Acalentou seus cabelos passando a mão por trás de sua nuca trazendo-o para mais perto  chegando quase a tocar sutilmente seus lábios. Sussurrou-lhe: serás sempre um menino.

Nunca houve paixão. Nunca houve luar. Nunca houve adeus. Nunca houve melodia, até o choro e o beijo foram forjados. As máscaras caem. As pessoas querem continuar a sofrer, a reclamar. A vida tenta ensinar, mostra caminhos, apresenta pessoas. Não aprende quem se embrutece, quem deixa de apreciar o caminho, e quem quer continuar a sofrer ou viver o que há de mais mísero na vida, o medo.

Embora ele tentasse impedi-la, ela abriu a porta do carro e saiu... a vida lá fora já a esperava...


Alice Nascimento


Passos de Alice

Um comentário:

  1. ...isso quando não nos paralisa, como foi na história narrado. Bj

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