27.7.11

Atemporal

Por algumas horas, quem sabe dias, não quero saber o que se passa lá fora. Fechei as portas, desliguei a televisão e celular. Retirei o plug do telefone fixo, fechei o notebook. Nada, não quero saber de mais nada. Mandei a empregada embora, por hoje, basta! Não quero ouvir o choramingar da vassoura, nem o apitar frenético da chaleira avisando que falta colocar o pó do café. Não quero cheiros, nem sensações. Nada, não quero nada!

Me tranquei no quarto, fechei as janelas. O escuro talvez me acolhesse melhor. Mesmo assim as informações chegavam. Carro passando, moto acelerando, era possível sentir o freio do carro e o seu desviar do buraco. Pessoas e garrafas conversando, copo, mesa de bar, filhos que não pediram para nascer, mães miseráveis gritando com esses rebentos abordados da vida. Não, não quero ouvir nada, saber de nada.

Fui impelida dentro do meu próprio espaço a ser obrigada a ouvir, a sentir o que não queria. Liguei o ar condicionado e me afoguei nas cobertas. Impossível. Os sons penetravam por todos os lados. Levantei. Andei de um lado a outro. Agora eram os pensamentos que conversavam comigo. Estava perdendo o controle da situação, quando me dei conta de que o silêncio é inatingível, assim como minha paz.

Alice Nascimento

corrente de Alice

26.7.11

Vida em uma lauda – Despedida


Reteu a mão no ar. Apertou os olhos e segurou a respiração. A mão retornara ao volante do carro. Não era pra chorar, assim sua mãe havia lhe ensinado quando criança: Homem não chora, e a avó docemente completava, e não faz mulher chorar. Entre esses ensinamentos o coração se desfaceleva entre muitas mulheres. Era mais fácil assim: todas sabendo de todas e o deixando livre, não haveria sofrimento, pensou. Até aquela noite.

A tarde afugentou-se na escuridão que rapidamente açoitou o sol. Envergonhada, nem a lua apareceu. Tinha tudo planejado. Fazia semanas que arquitetava um plano perfeito para dissuadi-la. Fazer com que ela desistisse dele era a forma letal de findar a paixão que aprisionava seus pensamentos nela. Era mais fácil pensar nas outras, mais frágeis, vulneráveis, vazias, mas não ela, ela não. Ela o dilacerava com suas verdades sinceras.

A conhecera sob o manto da lua, na nuca uma constelação... fazia questão de relembrar o dia e a hora exata... mas agora tudo era indiferente, como o olhar dela. Embora pressentisse o que ele desejava, silenciou. Não antecipou nenhuma palavra. Há de ter aprendido a ter coragem. Homem não enfrenta, foge. Ouvia sempre que mulher é carente demais, que se deixa apaixonar fácil, seria isso verdade? Ou seria o fato de querer viver de formas distintas diferentes amores, mostrando-se doce, afável, compreensiva... e sorvendo a fragilidade masculina incrustada em uma educação machista? Ah sim... a mulher é frágil e cheia de pudores, o homem covarde e amante.

O silêncio invadiu o ambiente, e enquanto ele tentava segurar algumas lágrimas, o sorriso dela brotava acalentando aquele sofrimento. Aprendera com a vida que os homens se personificam no que a carência feminina deseja. Ou seria o contrário? Agora era indiferente. A vida faz questão de colocar conflitos para que sejam vivenciados, combatidos, porque não há de alcançar objetivos se não se aprende a caminhar. O que importa é percorrer os caminhos e aprender com eles. E foi assim que tudo terminou, no caminho.

Parou o carro em um acostamento qualquer. Retirou seu cinto de segurança.Voltou-se a ela. Buscou suas mãos, fechou-as em copas de rosas como se formasse um buquê, e sentindo seu cheiro de perto, as beijou longamente. Tu és muito especial, disse ele, e continuou, mas não quero que sofras. Ela o olhou docemente e sorriu, chegou a achar engraçado como os homens transferem suas fragilidades às mulheres. Ele não havia entendido o motivo do sorriso diante de seu sofrimento. Ela levantou a vista, e o olhou mais uma vez. Acalentou seus cabelos passando a mão por trás de sua nuca trazendo-o para mais perto  chegando quase a tocar sutilmente seus lábios. Sussurrou-lhe: serás sempre um menino.

Nunca houve paixão. Nunca houve luar. Nunca houve adeus. Nunca houve melodia, até o choro e o beijo foram forjados. As máscaras caem. As pessoas querem continuar a sofrer, a reclamar. A vida tenta ensinar, mostra caminhos, apresenta pessoas. Não aprende quem se embrutece, quem deixa de apreciar o caminho, e quem quer continuar a sofrer ou viver o que há de mais mísero na vida, o medo.

Embora ele tentasse impedi-la, ela abriu a porta do carro e saiu... a vida lá fora já a esperava...


Alice Nascimento


Passos de Alice

25.7.11

Renda se...

A chuva prendeu-a em casa como sonho de mãe aflita que revela ao filho um presságio ao acordar. Não é para sair! Revisou sua lista de afazeres inundada por aquela manhã chorosa. Abandonou o pijama e vestiu sua mortalha: Ficara em casa navegando no silêncio funesto de um dia de chuva. Ninguém reclamaria. Despedir-se do dia era para muitos um alívio: Sem preocupações, sem dúvidas, sem imaginações, para ela, a morte, um dia a menos de existência!

Caminhou descalça até a cozinha. Preferia assim, pés no chão. Preparou um café quente e amargo que lhe desceu fácil como a água que lavava o vidro da janela. Se manter acordada era a vingança perfeita àquele dia. Ainda com o corpo quente pelo passeio que o café lhe proporcionara, jogou-se na cama como tarrafa lançada ao mar afundando sob os lençóis desarrumados.

Confinada, a chuva respirava o que ela respirava, se alimentava do mesmo alimento... torpor, mas seus pensamentos... a chuva não o invadiria. Virou em direção a pilha de livros espalhados sobre sua cama, verdadeiros travesseiros em que repousava horas a fio... e se entregou a leitura, talvez a fuga perfeita para aquela manhã nefasta. Não se renderia, pensou. Abriu um livro, fechou outro, suas leituras variavam conforme o humor. O chão subitamente os acolheu. Pegou seu bloco de anotações, apontou o lápis...saiu de si mesma.

Alice Nascimento

Alice em um dia de chuva

4.7.11

Rabiscos - A casa

Era uma casa nascida sob a sombra de uma árvore, sem paredes e janelas, livre, tão livre que brotava do chão com uma família a céu aberto para quem quisesse visitá-la. Quem sabe o governo.


Alice Nascimento